quinta-feira, 30 de maio de 2024

Randolph Scott e o Velho Oeste - Parte 3

Antes de se consagrar nos filmes de western o ator Randolph Scott passou por uma fase bem interessante na carreira. Ele atuou nos mais diversos gêneros cinematográficos, interpretando desde galãs românticos até capitães destemidos dos sete mares. Esses primeiros filmes, rodados principalmente na década de 1930, mostravam a versatilidade que o ator podia ter nas telas.

É justamente dessa fase a comédia musical romântica "Esposas Alegres", um filme muito inofensivo, com cenas de dança e romantismo. Scott gostou tanto de atuar nessa produção que ele confessou ao amigo Cary Grant que não se importaria em firmar sua carreira de ator nesse estilo de filme, com muitas cenas musicais.

No filme seguinte, "A Noiva do Céu" o roteirista Joseph L. Mankiewicz (que iria se tornar um diretor brilhante nos anos que viriam) percebeu que Randolph Scott tinha a imagem ideal para interpretar heróis de filmes de guerra. Era um passo a mais na direção dos faroestes que iriam consagrá-lo em Hollywood. Nesse filme o ator interpretou um capitão da força aérea dos Estados Unidos, mas sem deixar o lado romântico de lado. O filme, muito bem produzido, ainda hoje chama a atenção por causa das belas cenas aéreas, com todos aqueles aviões bimotores fazendo piruetas no ar.

"Manias de Gente Rica" de John G. Adolfi foi mais uma produção no estilo mais elegante, baseado numa peça da Broadway, Scott interpretava um sujeito de personalidade dúbia, ora agindo de forma ética, ora passando a perna em quem ficava no seu caminho. Depois de mais essa produção do tipo "bolhas e champagne" finalmente Randolph Scott foi contratado para atuar em um faroeste. "A Herança do Deserto" de  Henry Hathaway trazia Randolph Scott como um cowboy envolvido bem no meio de uma disputa de terras no velho oeste americano. Ele fotografou muito bem com seus trajes de pistoleiro. O roteiro também foi um presente pois era bem escrito, com cenas marcantes. Produzido pela Paramount Pictures, filmado no próprio rancho da companhia, esse foi o primeiro grande sucesso de bilheteria de sua carreira. Um filme bem importante, que determinaria os rumos da filmografia do ator nas próximas décadas.

Pablo Aluísio.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Os Filmes de Faroeste de John Wayne - Parte 3

Uma das grandes sortes que John Wayne teve em sua carreira foi o fato dele começar a se tornar popular justamente na mesma época em que o grande cowboy do cinema, o astro Tom Mix, estava se aposentando. Ídolo máximo do western na era do cinema mudo, Mix estava descontente com os novos rumos que a indústria cinematográfica americana começava a tomar. O cinema falado estava prestes a dominar completamente o mercado, enquanto os antigos filmes mudos perdiam espaço nas telas a cada ano. Era o fim de uma era.

Tom Mix já se sentia velho e cansado. Cavalgar para ele estava se tornando um problema por causa de dores na coluna. Ele sofria dessas dores há anos, mas agora tudo se tornara insuportável. O estúdio lhe arranjou dublês, mas o público começou a perceber a diferença e assim, procurando manter sua estrela, sua áurea, Mix decidiu se aposentar. Ele queria se retirar antes que se tornasse completamente decadente. Depois de atuar em mais de duzentos filmes ele estava multimilionário e não queria mais saber de cavalos, selas, poeira e tiroteios. Os dias do faroeste tinham chegado também ao fim para Mix.

Com o afastamento de Tom Mix das telas todo um espaço ficou vazio. Quem seria o próximo herói dos filmes de faroeste? Bom, John Wayne estava de olho nesse trono. Esforçado, disciplinado, bom profissional na visão dos diretores da época, John Wayne começou a deixar de lado suas participações como dublê para realmente se tornar ator na frente das telas. Foi um processo gradual. Nos primeiros anos John Wayne ainda procurou se esforçar na universidade, mas depois ele viu que poderia ter grande futuro no mundo do cinema. O pagamento era muito bom, o trabalho era relativamente fácil e a fama, que ele começava a desfrutar, acabou lhe convencendo que ele deveria se esforçar para fazer sucesso no cinema, acima de tudo.

Durante as filmagens de um novo filme, Wayne conversou longamente com o diretor Andrew Bennison. Esse lhe avisou que iria filmar um faroeste em breve e que queria John Wayne em seu elenco. Depois explicou que esse novo western seria mais realista, tentando mostrar o mundo dos cowboys como ele realmente era: com muito suor, trabalho duro e roupas surradas. Nada a ver com Tom Mix e suas roupas engomadinhas. "John, o futuro dos filmes de western será o realismo nu e cru, por isso quero que você apareça como se fosse um cowboy real. Roupas empoeiradas, chapéu amassado, nada de ter um visual como Tom Mix, com seu figurino cheio de estrelinhas e esporas de prata!". Wayne concordou plenamente com a opinião do diretor. Era hora do cinema americano abraçar uma visão bem mais pé no chão. O mito em torno de John Wayne começava a ganhar vida.

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

Um Winchester Para Ringo - Parte Final

O Acerto de Contas
Chacais do deserto são animais perigosos. Ele rondam sua presa por horas, algumas vezes por dias, para depois dar o ataque final. Ringo cavalgando pelo deserto logo percebeu que estava sendo seguido por um chacal. Não o animal, que ele às vezes matava nessas jornadas, mas sim pelo forasteiro que havia lhe vendido o rifle Winchester. Agora não havia mais dúvidas. Aquele sujeito estava lhe perseguindo. Ringo percebeu, pelo canto do olho, sem demonstrar que o tinha visto, que o tal chacal de duas pernas não era lá muito experiente nesse tipo de perseguição. Ele ficava perto demais da sua presa. Tão perto que acabava sendo descoberto.

Ringo parou e desceu de seu cavalo. Já era cinco da tarde. Ele fingiu que iria começar a procurar galhos e gravetos para fazer uma fogueira. Era uma encenação. Ringo na verdade estava providenciando uma armadilha. Ele iria dar a entender a seu perseguidor do deserto que ele estava calmamente descansando. Iria até mesmo fingir estar dormindo. Quando seu algoz surgisse, seria o seu fim.

E assim foi. Anoiteceu e Ringo comeu um pouco e ficou ali ao lado da fogueira, completamente sozinho. Suas armas estavam todas à mão, engatilhadas, mas parecia que Ringo estava despreocupado, aproveitando sua caça. Então ele ouviu um pequeno ruído. Era nitidamente alguém se aproximando. Ringo havia arrumado um lugar para pular, um ponto cego no meio da escuridão, assim que o forasteiro se aproximasse. Quando ele viu que o sujeito estava próximo demais, ele pegou seu copo de café e foi se afastando lentamente da luz do fogo. E então, como havia planejado, desapareceu na escuridão.

Quando o sujeito chegou na fogueira, com a arma em punho, não encontrou mais Ringo. Ele estava atrás dele, já com o rifle apontado para sua cabeça. Assassinos profissionais sabem destrinchar situações perigosas como essa. Então o forasteiro sentiu o cano do rifle Winchester de Ringo contra sua cabeça.

- Levante as mãos após jogar seu revólver no chão... - Ordenou Ringo, já com o controle da situação.

- Calma, eu...

- Agora! Jogue a arma no chão, caso contrário vou estourar seus miolos nos próximos segundos...

Não havia como reagir. Ele estava completamente rendido. Então jogou a arma fora. Que situação! Desarmado e à mercê de um matador. Francis McCarthy jamais poderia imaginar que seus planos fossem dar dão errado. O velho oeste tinha suas próprias artimanhas, que ele seguramente não conhecia. Ringo pegou a arma de Francis. Depois mandou ele se virar de costas.

- Espere, não me mate! Está havendo um erro... - Nitidamente ficou com medo de levar um tiro pelas costas.

- Cale-se! Só fale quando eu perguntar algo. Sua vida agora está em minhas mãos. - Bom, se havia uma verdade, era essa. Realmente Ringo poderia acabar com a vida dele quando bem entendesse. Porém Ringo também era um profissional frio em busca de respostas. E ele as teria ali, pelo bem ou pelo mal.

 - Ok, comece a falar! Quem é você? De onde me conhece?

- Eu nunca ouvi falar de você...

Ringo não hesitou e deu um tiro certeiro no joelho do forasteiro. Um grito foi ouvido ao longe. Ele caiu ao chão.

- Ok, seu idiota. O próximo tiro pode pegar uma artéria! E você morrerá, com absoluta certeza.

- Eu já lhe disse, eu não te conheço - o sangue misturado ao suor lhe deu uma palpitação no coração que Francis jamais poderia imaginar... ele sentia que seu fim estava próximo.

- Não, tudo bem... - Ele levantou a mão ao perceber que Ringo engatilhava seu Colt.

- Eu sou filho de um homem que você matou...

- Quem era esse homem?

- Um político de... - Ele não precisou terminar a frase, Ringo sabia de quem se tratava...

- Olha, eu faço meu serviço. Nada pessoal. Você deveria procurar o cliente que me contratou. Eu sou apenas a mão que puxa o gatilho. O verdadeiro assassino de seu pai é outra pessoa... - Assim, de forma bem estranha, Ringo via seu "ofício" de matar.

- Seu desgraçado... você matou meu pai... desgraça...

Não houve tempo para terminar a frase. Ringo acertou um tiro certeiro na cabeça de Francis. Ele caiu pesadamente na areia do deserto e deu seu últimos suspiro... estava morto!

Ringo olhou a cena. Colocou seu revólver de volta ao seu cinturão. Aquele tipo de coisa não o agradava. Era um efeito colateral de ser um matador profissional. Algumas vezes pessoas surgiam para uma vingança. Ringo não se abalava, estava preparado sempre para esse tipo de situação. Ele parou por alguns segundos diante do cadáver de Francis, pegou um pouco de areia e jogou por cima de seu rosto, tal como se fosse uma espécie de funeral improvisado no meio do deserto.

O corpo de Francis ficaria ali para sempre. Em pouco tempo começaria a servir de alimento para os animais da região, para os abutres. Seria encontrado algum dia? Naquele meio do nada, dificilmente. Seria dado como desaparecido. Jamais seria encontrado. O deserto seria seu lar de repouso eterno.

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Legião de Heróis

Título no Brasil: Legião de Heróis
Título Original: North West Mounted Police
Ano de Produção: 1940
País: Estados Unidos
Estúdio: Paramount Pictures
Direção: Cecil B. DeMille
Roteiro: Alan Le May, Jesse Lasky Jr
Elenco: Gary Cooper, Madeleine Carroll, Paulette Goddard, Preston Foster, Robert Preston, George Bancroft

Sinopse:
A história do filme se passa em 1885. Dusty Rivers (Cooper) é um Texas Ranger que viaja para o Canadá para prender um caçador procurado por assassinato e roubo. O criminoso cruzou a fronteira e passou a incitar os nativos da região em uma rebelião contra o governo canadense. O clima passa a ser de guerra. Caberá a Rivers prender o procurado para evitar um banho de sangue. Filme vencedor do Oscar nas categorias de melhor edição e melhor direção de fotografia.

Comentários:
Um faroeste diferente, cuja história se passa no frio Canadá e não nas longas areias do deserto do velho oeste dos Estados Unidos. Nem preciso escrever que a direção de fotografia ficou belíssima, justamente por causa das locações em regiões especialmente belas daquele país montanhoso e gelado. Acabou vencendo o Oscar de forma mais do que merecida. Além disso o filme se destaca também por ter dois nomes importantes na história do cinema americano. O primeiro é Cecil B. DeMille, lendário produtor e magnata do cinema na era de ouro de Hollywood. O interessante é que ele gostou tanto do roteiro do filme que decidiu dirigir, algo que nem sempre fazia, uma vez que se notabilizou mesmo por ser um grande produtor na velha Hollywood. Gary Cooper é o outro nome que se destaca e logo chama a atenção. Considerado um dos grandes atores de estilo faroeste do cinema americano, esse veterano das telas está em seu papel habitual, a do homem honesto e íntegro, que deseja fazer cumprir a lei, custe o que custar. Em conclusão temos aqui um clássico do western que se destaca justamente por suas peculiaridades. Grande filme!

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Gigantes em Luta

Terceira e última parceria entre os grandes astros do faroeste americano John Wayne e Kirk Douglas. No filme Wayne interpreta Taw Jackson que resolve se unir ao pistoleiro e ladrão Lomax (Kirk Douglas) para colocar em prática um plano mais do que ousado: roubar um carregamento de ouro no valor de 500 mil dólares. O grande desafio deles será, além de enfrentar a forte segurança que acompanha a fortuna, conseguir vencer a própria carroça que transporta o ouro, pois essa é fortemente armada com um potente metralhadora, além de ser blindada, se tornando praticamente inexpugnável. “Gigantes em Luta” é um western de pura ação, com muitas cenas de lutas, batalhas e tiroteios. Durante as filmagens Kirk Douglas teve uma surpresa que o impactou. John Wayne havia perdido o pulmão em uma complicada operação, três anos antes, na sua luta pessoal contra o câncer. 

Assim o veterano ator estava bem debilitado fisicamente, precisando recorrer regularmente a uma bolsa de oxigênio para dar conta das complicadas filmagens, que lhe exigiam muito do ponto de vista físico. Mesmo assim ele trabalhou com empenho, sem reclamar. Vendo aquela obstinação do colega, Kirk ficou emocionado, como bem revelou em uma entrevista anos depois. Ele tinha que dar o melhor de si nas filmagens ao mesmo tempo em que se preocupava com John Wayne nas cenas mais exigentes e perigosas.

Além do ótimo elenco o filme também apresentava uma produção muito boa, até acima da média. Uma das “estrelas” do filme era a própria carroça blindada que levava o carregamento de ouro, chamada “War Wagon”. Durante anos ela foi exposta no parque temático da Universal ao lado de vários outros artefatos famosos de filmes clássicos. O curioso é que a “War Wagon” era na realidade feita de madeira pintada para parecer aço e ferro. Um truque de Hollywood. Com o uso de efeitos sonoros para recriar o som característico dos metais, completou-se a ilusão de que se estava na presença de uma carroça realmente blindada. Ninguém na época desconfiou de nada.

O diretor de “Gigantes em Luta” foi Burt Kennedy, que se deu tão bem com o astro John Wayne que esse o trouxe de volta para dirigir “Chacais do Oeste” cinco anos depois. O diferencial é que Kennedy sempre procurava respeitar os limites que a saúde de John Wayne exigia. Assim ele procurava filmar as cenas com o ator de forma concentrada, para evitar deixar John Wayne esperando por longas horas para entrar em cena. Também sempre deixava o ator à vontade, sem aquele clima de tensão no set, algo bem típico de Hollywood. O resultado de tudo é mais um belo western na filmografia de John Wayne, aqui ao lado de outro mito do cinema americano, Kirk Douglas. Simplesmente imperdível para os fãs do gênero.

Gigantes em Luta (The War Wagon, Estados Unidos, 1967) Direção: Burt Kennedy / Roteiro: Clair Huffaker, baseado em sua novela, The War Wagon / Elenco: John Wayne, Kirk Douglas, Howard Keel, Robert Walker Jr, Keenan Wynn / Sinopse:  Dois aventureiros se unem no velho oeste para roubar uma carroça blindada que transporta um grande carregamento de ouro no valor de 500 mil dólares. Filme premiado pelo Western Heritage Awards na categoria de Melhor Direção.

Pablo Aluísio. 

terça-feira, 14 de maio de 2024

Um Winchester Para Ringo - Parte 3

Cap. IV - Silver Rock City
Após a morte encomendada, Ringo foi parar em Silver Rock City. Era uma daquelas cidades que surgiam da noite para o dia. Sempre que corria o boato que ouro havia sido descoberto as pessoas corriam para a região e assim essas cidadelas eram erguidas no meio do deserto. No meio da "fauna" que circulava pelas ruas havia muitos mineradores, ladrões, patifes, jogadores profissionais de cartas, pistoleiros e... prostitutas. Ringo estava lá para gastar seu dinheiro com algumas dessas moças de reputação duvidosa. Por 10 dólares você teria a companhia de uma dessas senhoritas. Por 15 dólares um banho era incluído no menu.

Ringo não se relacionava com mulheres, não pelo estilo mais normal de ser. Ele preferia as damas de companhia. Era um jogo honesto de certo modo. Ele pagava as ladys, fazia sexo com elas, recebia um pouco de carinho e quando a noite terminava o contrato estava cumprido. Nada de sermões, cobranças, ameaças, etc. Ringo queria as mulheres para satisfazer seu libido, não para se casar com elas. Ter um filho então... nem pensar! Era a última coisa que ele poderia pensar em fazer. Um assassino profissional tinha como um de seus trunfos a agilidade de se mudar rapidamente de cidade, algo que ele não poderia fazer se fosse um pai de família. Além disso Ringo preferia ter mulheres diferentes a cada lugar que visitava. Sem essa coisa de cultivar valores tradicionais.

Depois da noite de amor comprado, Ringo foi até o saloon. Ele até gostava de beber um bom whisky, mas não era como os demais clientes desses lugares. Jamais bebia a ponto de ficar embriagado. Sabia que sua vida dependia disso. Desconfiado por natureza, sabia que qualquer um naquele ambiente poderia estar ali para matá-lo. Ter disciplina na vida poderia lhe poupar de ser executado quando perdia a razão de seus pensamentos. Bebia, mas com limites claros. O mesmo poderia ser dito em relação ao jogo de cartas. Era um bom carteador, mas nunca perdia o que não poderia perder em uma rodada de jogos de baralho. Se entrava em um saloon sabia exatamente o quanto poderia gastar bebendo e jogando. Nem um centavo de dólar a mais era gasto nessas ocasiões.

Seus únicos gastos mais extravagantes eram usados em armas e cavalos. Ringo tinha um conhecimento de expert no que dizia respeito a armas de fogo. Sabia o calibre de todas, seu funcionamento e as novidades no mercado. Quando descobria que suas armas estavam ficando obsoletas ia até a capital do estado para comprar os mais novos modelos. Não era sábio estar com pistolas e rifles velhos. Afinal seu ofício era matar. Armas nada mais eram que instrumentos de seu trabalho. Também era zeloso no que dizia respeito a cavalos. Ele jamais se afeiçoara a um animal desses. Eram apenas meios de transporte, não seus animais de estimação. Por isso Ringo fazia questão de ter apenas cavalos jovens, fortes e robustos, que aguentassem situações extremas, como atravessar o deserto do Arizona. Um matador que sabia exatamente do que precisava ou não para viver. Esse era Ringo naquela fase de sua vida de pistoleiro.

Cap. V - O Deserto
Um pingo de sangue caiu nas areias escaldantes do deserto. Era dos lábios de Francis McCarthy. O sol era tão forte que havia rachado sua boca. Efeitos de uma insolação, claro. Calor, fome, sede. Só bravos conseguiam fazer aquele tipo de travessia. Era infernal, literalmente falando. Ele estava chegando em Silver Rock City. Segundo informações era ali que encontraria Ringo, o matador de seu pai. Sua vingança estava em curso. Por isso nem se importou pelo fato de que seu cantil também estava seco. Para quem estava no meio de um deserto daqueles era algo para se desesperar, ainda mais com o cavalo exausto, nas últimas. Porém ele logo avistou do alto da montanha as telhas das casas da cidade. Era ali que ele teria chance de sua vingança.

Claro que Francis não poderia simplesmente chegar ali, perguntar por Ringo e puxar seu colt. Não seria sensato. Ainda mais em se tratando de um matador profissional. Ele tinha que ser sagaz. Por isso pensou em um nome falso. Assim que entrasse na cidade as pessoas de lá iriam perguntar seu nome. Ele então pensou em usar o nome de Mike. Mike O´Hara. Afinal ele tinha um pouco de sangue irlandês. Iria colar, Aquele caipiras iriam acreditar.

Assim que entrou na cidade foi direto para o saloon.  Como todo bar de pulgas do velho oeste ali se concentrava todos os tipos de pessoas, desde trabalhadores locais, mineiros em busca do ouro e assassinos profissionais como Ringo. Assim ele entrou no saloon, tirou um pouco de poeira de sua camisa e calças e pediu um whisky. A bebida era a pior possível. Um whisky vagabundo de milho, quente como o inferno. Teor alcoólico absurdo. Ele não iria reclamar porém. Aqueles caras durões que ali estavam, bebiam exatamente isso. Uma palavra mal colocada ali naquele ambiente e todos irian entender que ele vinha do leste. Que era um almofadinha de Nova Iorque ou algo pior. Que não era um cowboy do oeste autêntico. A barba por fazer ajudava na caracterização de alguém que vinha do deserto e que lá vivia.

Ele olhou ao redor e teve uma ideia dos tipos que circulavam por ali. Todos sujos, com péssima aparência, barba de semanas, alguns fedendo. Provavelmente nunca tinham tomado um banho na vida. Fediam a cavalos suados. "Malditos guarniceiros" - pensou Francis consigo mesmo. 

Ringo estava em uma mesa a poucos metros. Ele estava jogando cartas com um grupo de sujeitos mal encarados. Como Francis iria chegar até ele? Foi então que uma ideia passou pela sua cabeça. Ele estava com uma bela Winchester, rifle de precisão, último modelo. Coisa fina comprada em Nova Iorque. Bom, aquele poderia ser um começo. Ele então virou-se ao balconista e disse:

- Eu tenho uma arma para vender aqui. É um rifle Winchester. Veja, muito nova. Sem arranhões e nem sinais de uso.. Quero vender por 400 dólares.

- Eu não acredito que você vai conseguir vender isso por aqui. A maioria dessas pessoas não teria esse dinheiro...apenas Ringo poderia fazer uma oferta.

- E quem é Ringo? - Francis disfarçado de Mike sabia muito bem quem era Ringo, mas não iria entregar o jogo. Pelo contrário, ele iria jogar, até surgir a oportunidade de enfiar uma bala na cabeça do assassino de seu pai.

- Aquele cara de casaco cinza e calças pretas é o Ringo! - apontou o barman - Ei Ringo, venha aqui por um minuto...

Ringo olhou com as abas do chapéu abaixadas. O palito de dentes que estava na sua boca deslizou. lentamente, de um lado para o outro. Ele fitou e viu Francis. Não parecia alguém de todo desconhecido. Calmamente alisou o gatilho de seu revólver. Seria alguém atrás de mais um sangrento acerto de contas? Só o tempo iria dizer...

Ringo não havia nascido ontem. Ele sabia que sempre que um desconhecido o procurava, mesmo que parecesse o contrário, ele jamais iria baixar a guarda. Aquele sujeito que estava querendo vender um rifle parecia engomadinho demais para ser um mero vendedor de armas. Ele sabia que algo estava mal contado. Ele sabia que muito provavelmente aquele forasteiro era alguém que vinha em busca de vingança. Sempre haveria uma pessoa em busca de vingança para acertar contas com Ringo. Quantos homens ele já não tinha matado? Esses homens tinham parentes e amigos que mais cedo ou mais tarde iriam cobrar a conta.

Só que Ringo também era ardiloso. Ele não iria deixar passar esse pensamento para o forasteiro. Ele iria fingir que estava tudo certo. Era um teatro marcado e ele iria participar dele como um dos atores. Ele já sabia o final dessa peça. Geralmente acabava com o cano fumegante de uma arma, ou melhor dizendo, de duas. Só que a outra (que ele esprava não ser o seu Colt) estaria nas mãos de um cadáver frio deitado no chão, com a boca cheia de poeira do deserto.

Ringo então mandou o estranho se aproximar. Ele lhe deu o rifle Winchester e ele inspecionou a arma. Aquela era uma boa arma de fogo. Ele tinha interesse. A depender do preço ela seria sua.

- Então forasteiro... o que você quer? - Disse Ringo sem expressar emoções.

- Olá, meu nome é...

- Eu não quero saber seu nome! Eu quero saber seu preço - foi logo cortando o papa furado. Pistoleiros como Ringo não querem perder tempo com falsas cortesias de trato social.

- 400 dólares.. esse é preço.

- Eu acredito que o preço vai dificultar a venda dessa arma nessas pradarias. Não digo que a arma não valha isso. Ela está em ótimas condições, mas... essa é uma terra rude, de homens brutos. Mineradores, bandoleiros, vagabundos e pistoleiros. Não acredito que você vai vender - Ringo terminou a frase tomando mais um gole daquele whisky pegando fogo pelo clima árido do deserto...

- Bom, faça sua oferta - desafiou o forasteiro sem nome para Ringo.

- Eu posso dar 240 dólares por ela...

- É muito pouco...

- 260... minha última cartada - disse Ringo.

- Olha, é um pouco baixo, mas estou precisando mesmo de dinheiro, então...

Nem houve tempo para terminar a frase. Ringo jogou os 260 dólares sobre a mesa, sem falar mais nada. Ele apenas olhou para o Winchester, se levantou e se dirigiu para a porta. Havia sido uma pechincha. Aquele rifle certamente iria lhe ajudar nos próximos "serviços". Ele já estava mesmo de partida para a próxima cidade onde mandaria mais um alvo para o fundo de uma cova rasa e quente.

Ele montou em seu cavalo e sem olhar para trás começou a cavalgada para fora da cidade. O forasteiro foi para a porta do saloon e ficou observando enquanto seu perfil contra o sol foi desaparecendo no horizonte. Esse foi um primeiro contato, a primeira vez que ele encontrava Ringo. Na próxima vez ele estaria pronto para algo mais sério...

Pablo Aluísio.

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Com a Corda no Pescoço

Henry Lloyd Moon (Jack Nicholson) é um renegado confederado que após o fim da guerra civil forma um bando de criminosos como ele para roubar bancos e cavalos nas localidades mais distantes do velho oeste americano. Após uma perseguição sem tréguas por homens da lei ele tenta chegar ao Rio Grande onde espera atravessar a fronteira em direção ao México, se livrando assim das mãos do xerife. Ele porém não tem muita sorte e seu cavalo desmaia de exaustão. Preso e levado de volta para a cidade, Moon finalmente é julgado e condenado a morte por enforcamento (a pena padrão para ladrões de cavalos naquela época). Sua única chance de não ser enforcado é ser escolhido por alguma mulher da região como marido. Há em vigor uma lei da guerra civil que livraria os condenados à forca caso alguma senhorita o escolhesse para se casar. A justificativa dessa norma legal era simples: como muitos homens tinham morrido na guerra o número de mulheres solteiras e solitárias era muito grande e todo homem era alvo de disputa mesmo se estivesse condenado a morrer no laço da forca. Dessa forma o casamento livraria o criminoso de ser pendurado na forca até a morte!

Assim no último minuto, já no cadafalso, a senhorita Julia Tate (Mary Steenburgen) então decide escolher Moon para ser seu marido, o livrando da morte! A sorte parece finalmente ter sorrido para ele, mas na realidade mal sabe o ex condenado no que estaria se metendo! Começa assim esse divertido “Com a Corda no Pescoço”, filme estrelado e dirigido por Jack Nicholson. Embora seja passado no velho oeste o roteiro deixa claro, desde o começo, que o tom da produção será leve, divertido, se apoiando muito mais no relacionamento do estranho casal do que em qualquer outra coisa. É quase uma comédia de costumes. Nicholson novamente se sai muito bem. Seu personagem é um bandido sem eira nem beira, barbudo e maltrapilho, que vaga em busca de alguma oportunidade. Ele parece mais um renegado sem futuro do que qualquer outra coisa. Já a atriz Mary Steenburgen está uma graça como uma mulher que resolve se casar com “aquilo” para no fundo ter apenas um empregado de graça em seu rancho e na mina onde sonha encontrar finalmente ouro, depois de muitos anos de busca. O elenco de apoio é acima da média, com destaque para as presenças de Christopher Lloyd, que interpretaria anos depois o cientista Dr. Brown da série "De Volta para o Futuro" e John Belushi, comediante de sucesso do programa "Saturday Night Live" que havia brilhado em "Clube dos Cafajestes" no cinema nesse mesmo ano. Enfim, eis um western com tempero de muito humor, que não deve ser levado à sério, pois é pura e simples diversão pipoca, onde aliás funciona muito bem.

Com a Corda no Pescoço (Goin' South, EUA, 1978) Direção: Jack Nicholson / Roteiro: John Herman Shaner, Al Ramrus / Elenco: Jack Nicholson, Mary Steenburgen, Christopher Lloyd, John Belushi / Sinopse: Moon (Nicholson), ladrão de bancos e cavalos, é salvo no último minuto da forca ao ser escolhido pela senhorita Tate (Steenburgen) como seu marido. A união trará muitas confusões. Filme indicado ao Globo de Ouro na categoria de Melhor Atriz (Mary Steenburgen).

Pablo Aluísio.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Região do Ódio

Temos aqui um clássico filme de western com a dupla James Stewart e Anthony Mann. No enredo Jeff Webster (James Stewart) é um cowboy contratado para levar um grande rebanho de gado para a distante Seattle, quase na fronteira com o Canadá. Chegando lá acaba involuntariamente atrapalhando uma execução na forca de alguns bandidos locais. O fato acaba levando o juiz Gannon (John McIntire) a tomar de posse todo o rebanho sob o título de multa contra seu ato. Webster obviamente entende a verdadeira razão de Gannon, pois ele é um magistrado corrupto que usa a lei em seu proveito próprio, sempre roubando do povo da cidade onde vive. Com medo. todos recuam em relação aos seus atos arbitrários. Mas para Webster as coisas serão diferentes pois ele não vai admitir que seu gado seja roubado dessa forma.

Mais um ótimo western dirigido por Anthony Mann e estrelado pelo ator James Stewart. A parceria cinematográfica entre eles foi responsável por grandes filmes do gênero nas décadas de 1950 e 1960. "Região do Ódio" logo chama a atenção por algumas particularidades. A primeira e mais visível é a bonita fotografia, fruto da linda região onde o filme foi realizado, nas montanhas nevadas da fronteira entre Estados Unidos e Canadá. A beleza natural do local realmente chama a atenção e proporciona ótimas tomadas de cena. Em uma delas a equipe do filme teve a sorte de capturar uma grande avalanche de neve. Imagine a dificuldade que a produção teve em filmar naquele local remoto. Além disso grande parte do enredo se passa numa pequena comunidade de mineradores no pé da montanha, o que faz com que a natureza esteja sempre presente em praticamente todas as cenas.

Outro aspecto muito interessante vem da própria construção psicológica do personagem de James Stewart. Por anos ele interpretou grandes homens de uma integridade acima de qualquer suspeita. Aqui na pele do cowboy Jeff Webster temos uma outra perspectiva. Ele é individualista, até mesmo egoísta, e ciente de que não se deve confiar muito nas pessoas ao redor. Talvez seu único contato mais próximo venha da amizade que tem com o seu pobre amigo de viagem. Mesmo quando parece se importar com mulheres, ele não abaixa a guarda. Só no final, em ótimo clímax, finalmente Stewart recupera, mesmo que indiretamente, a grandeza que sempre foi característica de seus principais personagens no cinema. O grau de injustiça na localidade se torna tão alto que mesmo ele em seu individualismo extremo resolve agir, mostrando aos moradores que apenas a omissão garante a opressão.

"Região do Ódio" também expõe a corrupção generalizada das autoridades e a certeza da impunidade. O grande vilão do filme é o juiz Gannon (John McIntire) que usa a lei e seu poder para tomar os bens de todos na comunidade. Primeiro ele avança no rebanho do personagem de James Stewart e depois, não satisfeito, começa a tomar posse de todas as minas da região. Um verdadeiro ladrão que usa a lei em proveito próprio. No filme pelo menos a população da cidade se revolta contra as várias injustiças. Afinal tudo tem um limite e até os poderosos devem pagar por seus crimes. Enfim, temos aqui um faroeste classe A, uma produção da era de ouro de Hollywood que até hoje se mostra atual e relevante. Um show de cinema com a assinatura de Anthony Mann.

Região do Ódio (The Far Country, Estados Unidos, 1954) Direção: Anthony Mann / Roteiro: Borden Chase / Elenco: James Stewart, Ruth Roman, Corinne Calvet / Sinopse: O cowboy Jeff Webster (James Stewart) cai em uma armadilha ao levar seu gado para uma região distante. Um juiz corrupto tenciona roubar todo o carregamento, em um absurdo ato de corrupção.

Pablo Aluísio.